Eu e a bicicleta
A idade que eu tinha não me
lembro ao certo, só sei que eu já estava morando na vila Bancaria, então seria
ali pelos meus 10 anos quando ganhei minha primeira bicicleta, e com ela
aprendi a andar e me apaixonar por pedalar, foi um presente dado por minha tia
Ursulina para mim e pro meu irmão, um detalhe, a bike era importada “Raleigh”(sei
lá) aro 24, meu irmão por ser mais velho tomava conta, o tempo que ela durou ou
qual fim ela teve, não recordo.
Assim que meu irmão completou
14 anos meu pai o colocou pra trabalhar, uma das primeiras coisas que ele fez com
seu dinheiro foi comprar uma nova bicicleta, aro 26 pneu balão, e a prestação!
Neste ano eu estava fazendo admissão,
como no grupo escolar da Itaberaba(Luis de Brito) não tinha 5º ano, tínhamos de
fazer no ginásio do Piqueri, pra quem conhece a Frequesia do Ó (SP)sabe como ficava
longe e nós íamos a pé todo dia Bancaria-Itaberaba-Freguesia-Piqueri, todo dia,
ida e volta, eu o Job e o Marcos(branca).
O Job tinha bicicleta e
começou com a idéia de ir de bike pra escola, o Branca que era filho único e
tinha uma situação financeira melhor que a nossa, pediu pra “mamãe” e ganhou um
bike nova...i eu?...duro, pobre, ia ter de continuar indo a pé, minha mãe sensibilizada
com minha situação convenceu meu irmão a emprestar a bicicleta dele pra eu
poder ir a escola junto com meus amigos.
Primeiro dia, a ida tudo bem,
subida da Av. Itaberaba, descida a direita em frente o cemitério da Freguesia,
beleza! Assistimos às aulas, mas meu pensamento estava só na volta, pedalar
aquela bike nova que ficava só no cadeado pra eu não pegar, enquanto ele(meu
irmão) estava no serviço, legal, agora eu tinha a autorização da mão pesada do meu
pai e aprovação da minha mãe.
Saída da escola, subida até a
Av Itaberaba, depois só plano até a igreja, depois descida até a Bancaria... Mas
não foi bem assim...
Bem enfrente da 28ª delegacia
de policia fui atropelado por um caminhão de um feirante português, falar como
foi não sei! Só me recordo de estar debaixo do caminhão, uma mulher com sotaque
português chorando e gritando desesperada, eu, olhava sem ter intendência de nada,
até ver minha calça branca toda rasgada e ensangüentada.
Esta cena e a do pneu
traseiro do caminhão mordiscando minha perna e o cardam sobre minha cabeça
nunca esquecerei
Veio um PM e me puxou pelas
pernas e me tirou ali debaixo, depois pelos braços queria que fica-se em pé,
mas como!? eu não sentia nada da cintura pra baixo! veio outro PM me carregou
pra dentro da delegacia e me colocou num banco, chamou um taxi e me levou pro
Sandú, eu estava abobalhado(mais), via tudo, não entendia e nem sentia nada, lá
fizeram pontos em um corte profundo em minha cintura( tenho até hoje a
cicatriz), me lembro que o enfermeiro ou medico, sei lá, costurava, eu olhava,
mas não sentia nada, sem noção, sem choro.
Dali me levaram pra santa
casa de ambulância, com direito a sirene e tudo, disto me lembro, e o PM ali do
meu lado
Fui colocado numa maca e
levado pro Raio x, me vira para ca , me vira pra lá, baixa a máquina, sobe a
máquina, por fim me colocaram em uma cadeira de rodas e me deixaram no corredor do hospital, por
quanto tempo não sei...
Me lembro que passou por mim
3 pessoas e eu reconheci, era meu pai,
meu irmão e o PM que através de informação com meus amigos descobriu onde meu
pai e meu irmão trabalhava e foi la buscá-los, ao velos, saiu um temeroso...
- Pai...eles se voltaram, meu
irmão só não me bateu por eu estar naquela situação, mas me xingou de tudo
quanto era nome feio, ele não tava nem ai se eu estava na cadeira de rodas,
tava mordido por conta da bike nova dele... Desculpa “Mancha” meu irmão!
Saiu o resultado do raio x,
fratura nos ossos da bacia, por isso eu não movimentava minhas pernas. Isso
resultou em 42 dias na cama imóvel, banho de esponja, necessidades na comadre e
mangueirinha no pingulim...hoje em dia tem cama especiais para este tipo de
trauma, mas naquele tempo! alem do mais pra quem era pobre, se vira pião!
Ah! O feirante português!? Contaram-me
que ele fugiu assim que me atropelou e um PM foi atrás dele e o capturou, dizem
que ele xingou o policial e tudo o mais, sabem quem era este policial? O mesmo
que me socorreu! Meu herói!
Nestes dias de cama eu o vi
varias vezes em casa, só sei que por um bom tempo não faltou verdura la em
casa, ele era feirante verdureiro!
Meu irmão ganhou uma bike
nova dele, pois a outra deu perda total.
Mais tarde me convenceram a
contar em uma audiência na delegacia (após minha recuperação)uma estória dando
como eu ter sido o culpado de ser atropelado.
Falando serio, até hoje só me
recordo de ter pegado a bike na saída da escola, ai vem um espaço em branco
(esquecimento) depois a mulher do português gritando e chorando,
e eu embaixo do caminhão...
Aos 14 anos foi a minha vez
de começar a trabalhar, depois de tudo(acidente)perdi um ano mas consegui
passar no vestibulinho e entrar no Ginasial.
Eu era officeboy ,como eu
estava sempre na rua(trabalhando), vi uma promoção de cadernos, mas em pacote
fechado de 10 cadernos a bom preço, o problema era que eu só precisava de 5,
conversei com o Claudio que trabalhava na mesma empresa que eu e ele também só
precisava de 5, nos associamos e compramos o pacote 10 cadernos, 5 pra cada, ao
pagar no caixa me deram um cupom pra preencher , conversei com o Claudio e ele
disse que podia ficar pra mim, legal...
Passou o tempo eu nem me lembrava
mais disto, outro colega oficeboy me
disse ter visto meu nome numa lista na da papelaria da São Bento(SP), sem mais
informação sobre o que seria fui la conferi.
Estava la na parede o nome
dos contemplados no sorteio dos cadernos Hip:
5º premio – Uma bicicleta Caloi
Berlineta dobrável
Premiado – Gilberto Alexandre
Chagas...Eeeeeuuuuuu !!!
Já me informei como pegar
minha bike, tinha de pegar na Al. Pamplona, la pelas bandas das av. Paulista,
sábado como eu trabalha só até ½ dia, após o serviço rumei pra lá, o único
documento que eu tinha era meu registro de nascimento, o gerente da loja
conferiu, mas disse não poder me entregar por eu ser menor de idade, só com a
presença do meu pai...Caracas eu vi ali meu sonho de ter minha Caloi indo
embora, meu pai, eu, bicicleta, acidente, pode esquecer!
Apelei, chorei, supliquei fiz
de um tudo até que consegui, o Gerente liberou com a seguinte condição, eu
deixar minha certidão de nascimento e trazer meu pai pra assinar os papeis e
reaver a certidão. – Eu vou trazer meu pai, eu juro! Jurei em vão.
Com aquela caixa de papelão
acondicionando minha bike,sai da loja, subi até a av.Paulista ai me dei conta,
como levar pra casa?
Lembro-me de entrar em uma
rua que tinha um casarão na esquina com muro verde de plantas, desmontei a
caixa, tirei a bike, havia uma sacolinha com ferramentas e bomba, num deu
outra, desdobrei a bike, enchi os pneus, coloquei os pedais, tinha uma chave
alen que fazia tudo, subia o banco, apertava, subia o guidão, apertava e
apertava também o parafuso na dobradiça no meio do quadro...
Aos 14 anos de idade fiz o
meu primeiro ciclo turismo da minha vida...
Da av. Paulista a Vila
bancaria - Itaberaba SP montando minha Caloi Berlina Dobravel Ah! A certidão,
esta nunca mais, em 79 já estando morando em Cuiabá tive de voltar ao cartório
de Santos, minha cidade natal, para tirar a 2ª via, pois pretendia prestar
vestibular na UFMT.
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